Morgana Gazel

PRÓLOGO

Numa manhã de janeiro, Fred e Sara tomavam caldo quente de lentilha e gengibre em um bar-restaurante de Ipanema. Num quadro pendurado na parede mais ampla, mãos transfiguravam-se em chamas, ora mãos ora chamas, conforme o foco do olhar. De um rádio sobre o balcão ao fundo, soava uma música que nos últimos anos as estações tocavam com insistência:

     Eu te amo meu Brasil, eu te amo

     Meu coração é verde, amarelo, branco, azul anil

     Eu te amo, meu Brasil, eu te amo

     Ninguém segura a juventude do Brasil…¹

Naquele momento, porém, Fred não ouvia nem via nada além de Sara.

— Está gostando do caldo?

— É ótimo, nunca havia experimentado.

Fred sorriu sem conseguir disfarçar o prazer que, havia muito tempo, não vivenciava. Sentia um desejo ardente de lhe afagar e beijar as mãos, tão próximas, cruzadas em cima da mesa, mas algo em seu íntimo advertia-o de que esperasse. Conversavam brandamente. Sara apenas respondia, ele rebuscava na mente assuntos que lhe interessassem.

O programa musical chegou ao fim e foi ao ar A Notícia em Detalhes. De repente Sara paralisou-se, o corpo tenso, os olhos amedrontados. Fred olhou a sua volta, não viu coisa alguma que antes não estivesse ali. Instintivamente, atentou na transmissão do rádio: ”Devemos elevar nossa voz contra qualquer tipo de violência, com mais ênfase contra a que ceifa a vida de pessoas indefesas como a desse rapaz que nada devia à sociedade. No ano passado, aconteceu o mesmo com um jornalista que também foi assassinado na cela. As famílias choram essas perdas, seu sofrimento exige justiça…”.

Sara secava as lágrimas inutilmente, suas mãos tremiam, Fred tentou segurá-las, ela as recolheu junto ao peito e se encolheu como uma criança acuada, deixando-o mais confuso, impotente, apreensivo.