Bio
Esther Blanco nasceu em Santander (Espanha) e cresceu em Barcelona em cuja universidade se formou em Filologia Hispânica (Literatura) . É também Máster em Ensino de Espanhol como Língua Estrangeira pela mesma Universidade de Barcelona. Reside no Brasil desde 1998. Trabalhou como professora de Língua e Literatura espanholas nas Faculdades Jorge Amado e na UFBA. Em 2006 passou concurso público para o Instituto Cervantes – Instituto Cultural do Governo da Espanha no exterior- e começou a trabalhar para esta instituição na cidade de São Paulo. Foi transferida para Salvador em 2008 onde reside até a atualidade. Atualmente é coordenadora acadêmica do Instituto Cervantes de Salvador.
Marcada por uma relação de ida e volta com seu país – Espanha – e sua língua – o espanhol – tem ao mesmo tempo uma intensa e inspiradora relação afetiva e literária com Salvador e a sua língua, materializada nos últimos anos através da escrita poética em ambas línguas que deu lugar ao livro Arena de los dias/Areia dos dias, publicado em 2016 pela Maçã de Vidro em São Paulo.
Participou das oficinas do projeto”Escritas em trânsito” entre 2013 e 2014: “Ver, escreve e descreve”, por Verônica Stigger, “Palavra a partir”, por Angélica Freitas, “Pintura e lanternagem do texto”, por Ricardo Chacal “Lírico e satírico en contexto”, por Ricardo Domeneck, “O poema viva voz”, por Marilia Garcia. Participou também da oficina de “Poesia falada” por Elisa Lucinda em 2009 e faz parte do grupo “DiVersos” da “Escola de Poesia Viva” de Elisa Lucinda em Salvador.
Produção Literária
A casa
Antes de viajar, é preciso garantir
a proteção da casa.
Quem sabe podes querer voltar.
Podes sentir um buraco enorme no peito,
ao outro lado do mar, respirar
o salitre úmido do trópico
e sentir de repente aquela luz dourada
no inverno, uma tarde, batendo
na janela, filtrando-se
listrada pela persiana do quarto
e não suportar tanta falta,
a distância, o tempo que já passou.
É preciso, antes de partir,
garantir a proteção da casa,
cobri-la de penas, de rezas,
cruzar os dedos, guarda-la.
Porque lá longe,
quando o vazio mata e
arde a saudade,
saber que segue aí,
que nos espera, salva.
A fonte
O cano aberto sempre e a água
que flui o tempo todo,
enquanto o trem passa lá embaixo,
junto ao rio.
Ninguém fechou nunca essa torneira.
A mesma fonte.
Passaram os invernos, a infância,
as ovelhas que descem do monte, os aviões.
Atravessei os mares, habitei uma ilha
onde os cigarras cantam todas as tardes,
os amores se quebram e o calor é um oceano.
E a fonte mana sua água
lá no bairro alto, junto à casa
e a porta, e a igreja.
O vento do norte sai todos os dias
e barre as ladeiras com frias névoas
como algodões.
Descansam em paz os mortos
sozinhos no cemitério.
E chega a primavera e
segue manando a fonte.
Todos ficamos velhos, longe.
Foi-se um dia
Um dia, foi-se de um lugar,
foi-se várias vezes, de vários lugares.
Construiu uma casa, um ninho,
escreveu livros, plantas, filhos.
Mas carrega consigo um oco,
um baú de janelas e barulhos,
o desejo de um regresso impossível
e o olhar distante do estrangeiro.
Não serás Mrs. Dalloway
comprando flores em Westminster,
palpando o instante que passa
e a vida que um dia será sem ti.
O mundo na sua volta é sempre outro,
uma paisagem com um sol inacabável e
amanheceres iguais. Um território estranho,
um caminho que vai reto para frente.
E ela, que o conhece, olha-o sempre de passagem.
Como se houvesse um bilhete de volta.
Como se não fosse a ficar velha ou desse tempo.
E sempre na distância, peregrina sempre,
debruça-se, às vezes, para o abismo impossível
de não pertencer a lugar nenhum.
Publicações
- Arena de los días/Areia dos dias (Editora Maçã de Vidro), 2016 - poesias.