Celso Kallarrari

Foto: Keyla e Fábio

Bio

Celso Kallarrari nasceu no Mato Grosso do Sul, em 1973 e vive, desde 2000, na Bahia. É romancista, poeta, sacerdote ortodoxo, professor adjunto da Universidade do Estado da Bahia – UNEB. Licenciado em Letras e graduado em Teologia, mestre em Educação e doutor em Ciências da Religião pela Pontifícia Universidade Católica – PUC-Goiás. É, atualmente, pesquisador do Grupo das linhas de pesquisas 1)Literatura: Crítica, Memória, Cultura e Sociedade e  2)Língua, Linguagens, Significação e Identidade; Co-fundador (2005) e membro do Conselho Editorial da Revista Científica Mosaicum; Membro do Conselho Consultivo e parecerista da Revista NUPEX – UNEB; membro do Círculo Fluminense de Estudos Filológicos e Linguísticos – CiFeFiL; membro da União Brasileira de Escritores – UBE, SP; Membro da Academia Mineira de Belas Artes – AMBA – Belo Horizonte, MG e da Academia Teixeirense de Letras – ATL. Participou do Dicionário dos Escritores Contemporâneos da Bahia (Salvador: CEPA, 2015).

Produção Literária

Um corpo íntimo

Não, meu amigo, o mal não estava no primeiro homem. No princípio, ele não tinha esses pensamentos. Depois, comeu do fruto da árvore do mal. E o mal tomou forma humana, encarnou-se nele, porque a vingança é fruto da ira, assim como o ciúmes é fruto do orgulho. Algumas vezes, parecia que não estava no mundo, embrutecia. Vagava, mentalmente, no mundo dos mortos. Isso porque vieram aquelas cenas que ele guardou, na lembrança, aqueles vultos, aqueles corpos nus se entrelaçando um no outro, aqueles movimentos frenéticos na penumbra daquele quarto marital.

 

***

Naquela época, o marido não tinha ainda morrido. Morreu em casa, na cama; na cama consagrada. Parada cardíaca, dizia sua mulher, quando o filho a questionava. A cabeça ficou pendida para cima e a boca semiaberta. O filho registrou, na sua mente, aquela morte. Os olhos vítreos do pai contemplavam, anestesiados, as vigas, os caibros, as ripas e o fundo das telhas enegrecidas pelo tempo. No velório, todos acorreram à casa da mulher. O caixão estava estirado no meio da sala com os pés para a porta. E o corpo do pai ficou coberto de flores amarelas e brancas. Duas velas brancas tremulavam na altura da cabeça do seu defunto. As imagens queriam dizer, na linguagem dos anjos, palavras desconhecidas. Acima da cabeça do morto, havia uma haste de metal, onde Cristo crucificado ficava pendido. As duas velas estavam fixas sobre dois belos castiçais, um do lado direito, outro do esquerdo do caixão. O fogo das velas oscilava com o vento do mês de agosto. O vento, tangido pelo movimento das pessoas, entrava na casa.

 

O marido era porteiro de um prédio nobre, luxuoso, no corredor verde, secular, da Vitória. Trabalhava das 18:00h da tarde às 6:00h da manhã e folgava uma vez por semana. Quando o síndico o chamava, durante o dia, fora do expediente, fazia pequenos consertos no prédio. Por estes serviços, ele recebia à parte, sempre assinando recibos. Às vezes, o filho passava por lá, quando fugia da escola ou nela nem entrava, só para ficar admirando, pela câmera de TV, as pessoas entrando e saindo do elevador. O pai era importante, pensava ele. Trabalhava num prédio grande e bonito, entre o emaranhado de espigões que suprimia a mata da encosta. O filho sequer entendia dessas reflexões narrativas. Com efeito, foram eles, os edifícios modernos, que acabaram com o glamour da Vitória. E, aos poucos, foram se extinguindo os casarões e os palacetes antigo. Os caminhos teleféricos, construídos até os píeres, abriram a mata, na encosta. O pai abria os portões para as pessoas com roupas chiques e para os carros importados. Certo dia, quando o filho desceu do morro, o pai deixou o filho apertar o botão verde, e, num toque de mágica, os portões de ferro se abriam para ele. Entretanto, o filho só aparecia quando o síndico viajava. Outras vezes, ele passava em frente ao prédio. Farejava como um vira-lata, mas não podia entrar. Perdia horas, debaixo da mangueira, do outro lado da avenida, à frente do Museu Carlos Costa Pinto. Ali, arrancava, com as mãos, algumas pedras portuguesas que as raízes volumosas da grande árvore desprendiam da calçada, comprimindo-a para cima. E, quando o pai acenava-lhe da guarita, com gestos convidativos, chamando-o para entrar, dele brotava um sorriso de canto e os olhos sobressaíam-se e enchiam-se de alegria. Um dia, um condômino contou ao síndico que, na sua ausência, o porteiro trazia o filho. O síndico ameaçou o porteiro, dizendo-lhe que se ele ouvisse alguém dizer que o menino tinha voltado lá, o pai estava no olho da rua.

 

O filho não voltou mais. Nunca mais.

 

***

No dia em que o mal apareceu ao primeiro homem, este já era um homem formado e trajava roupa preta, tinha as pálpebras circuncidada por um lápis preto e usava brincos de aço nas orelhas. De certo, o mal já estava em sua mente. E o mal era criativo. Era a sua maior provação. Ele buscou resistir o mal — acredite —, mas a fúria do demônio se apoderou dele. O mal lhe apareceu, de repente, como um relâmpago, quando surpreende o céu. Mas também depressa se foi e lhe deixou a escuridão e um remorso que o espinhava, dia e noite, a alma.

 

                Naquele dia, resolveu esconder aquele corpo. Abriu o assoalho do pequeno quarto da bagunça e enterrou o que restou do corpo, no chão úmido, no lugar onde guardavam as tranqueiras, uma cadeira (de madeira) e as outras duas (de plásticos) quebradas. Alguns tapetes de crochê mal dobrados e bolsas de estopas cheias de coisas, coisas que não se utilizavam mais. O quarto cheirava a mofo, havia ácaros e muita poeira. Era um lugar escuro. A poeira reinava, a traça abundava, e as teias de aranha cobriam os objetos. Ninguém entrava ali. Voltou ao corpo. Arrastou-o ao quarto. Lá fora, o vento sibilava. Ele ouvia. Era um assovio cortante. E, com uma faca de carnear, a faca do pai, abriu aquele corpo da altura do ventre ao tórax, e tirou dele todas as vísceras. O coração, o fígado, os rins, as tripas. Ali mesmo, naquele cubículo, mutilou, sem piedade e culpa, o corpo maldito. Mutilou aquele corpo com uma machadinha e um martelo de borracha, daqueles que os pedreiros utilizam para assentar cerâmicas. Cortou a mulher em vários pedaços. Arrancou primeiro a cabeça. Decepou-a, segurando os cabelos. Em seguida, arrancou os pés e as mãos morenas. E, sob a luz pêndula e oscilante, retirou, primeiro, a carne dos ossos e a pele de toda a carne como quem carneia uma ovelha. Algumas horas depois, arrancou 6 fileiras das ripas do assoalho. Cavou o chão, com uma pá. Abriu um buraco na terra úmida. E, nela, depositou todos os membros daquele corpo desfigurado. Talvez se continuasse furando aquele chão daria nas profundezas do inferno, imaginava. Na cozinha, embalou, com muito cuidado, alguns pedaços da carne da mulher em sacolas plásticas. Colocou-os no congelador da geladeira, embaixo do xaréus e dos chicharros congelados, pescados à linha e com isca de camarão vivo, na maré baixa da orla.

 

                Era uma tarde de domingo. Dia da Santa Missa, da comunhão. Ouvia-se o tilintar dos sinos na Igrejinha ao lado, construída, no século 18, em estilo barroco. Tinha apenas uma torre. Era a forma que o governo brasileiro criou para burlar o imposto português. O primeiro homem limpou, com um pano umedecido de desinfetante, e, depois, de álcool, a poça de sangue que se formou no assoalho, apodrecido, de ipê. E, junto às vísceras, jogou no buraco o que restou do corpo. Aqueles ossos inanimados, quase cobertos pelos restos de carnes vermelhas. Olhou, sem sentimentos, buscando tê-los, a cabeça da mulher pela última vez. Não nutria raiva, nem ira. Os olhos da defunta estavam arregalados, pareciam vivos e lacrimejantes. Ele os fechou comprimindo para baixo os dedos indicador e médio da mão direita. Jogou tudo, a cabeça, o que restava. Livrou-se de toda a impureza. Tapou, enfim, o buraco. No final da semana seguinte, enquanto as beatas ensinavam a catequese às crianças no salão paroquial, emendou (como um profissional) o piso de madeira. E, sobre ele, puxou uma mesa velha com uma perna defeituosa. Em cima da mesa, havia uma caixa de papelão que continha coisas estragadas e a roleta quebrada do bingo que a mulher rodava, enquanto seu marido cantava os números das cartelas nas quermesses de São Sebastião.

 

***

Veja! Numa tarde de domingo, passados dois dias depois que a mulher enterrou o marido, o seu outro homem voltou, às escondidas. Veio, novamente, à casa, ao encontro da mulher. Depois disso, continuou vindo todas as noites. Quase morava na casa. Depois passou a morar. Certo dia, a mulher apresentou o seu homem ao seu primeiro homem. Este irou-se. Aos poucos, ela apresentava o seu homem à vizinhança. O outro homem era sinistro, falava somente o necessário. Quase sempre, vestia uma camisa de manga comprida, listrada de azul e branco, e trazia, nela, no bolso esquerdo, uma carteira de Carlton. A mulher dividia até as bitucas de cigarro com ele. Fumavam mais de três carteiras por dia.

***

A vingança é o prazer dos deuses, lembrava o primeiro homem. E ele não teve outra opção. Passados os anos, ele estrangulou a mulher, apertando-lhe a jugular, num gesto agressivo e intempestivo. 

                Numa tarde chuvosa, depois que matou a mulher, pensou em se livrar do corpo, mas aquele corpo era-lhe um corpo íntimo. Era o corpo da mulher que ele mais amava, que vira o sexo pela primeira vez. Ele nunca tinha visto uma Playboy, ou qualquer revista pornográfica, e, à época, não havia Internet. Ela despertou, estranhamente, nele, o desejo luxuriante, e, mais tarde, um desejo bizarro. Então, ele levou o corpo para a cama, a cama depravada. Desabotoou o suéter rosa e do sutiã, saltaram seios medianos que se espraiavam sobre o busto. Abaixou, cuidadosamente, a saia unicolor, em tecido solto. Tirou a calcinha lilás de algodão com elastano, deixando o corpo nu. Tirou, da sua braguilha, o falo endurecido, repleto de sangue, e pressionou, ansioso, os lábios encolhidos entre a penugem daquela vagina desejada. E penetrou-a, talvez, numa tentativa de retorno ao princípio, de regresso aonde tudo se origina. Flexionou, pouquíssimas vezes, o nervo rígido, segurando o quadril da mulher e gozou, num murmúrio ardente, dentro daquele corpo ainda tépido. Em seguida, deitou-se sobre ele, encostando o lado direito do rosto no umbigo da mulher, sobre aquela gordura flácida da barriga, sepulcro de um embrião. E, quando as forças lhe vieram, novamente, chupou os seios da mulher, numa intensidade parecida à de um recém-nascido. Mordiscava-os. Lambia-os vorazmente. Cheirava-os. E, sobre eles, repousou, por um tempo, segurando-os, com muita força, como uma criança segura uma frauda suja, pressionada ao nariz, e não quer dela separar-se. Passaram-se horas, e ele comeu, buscando matar seu desejo, umas três vezes, aquela mulher, aquele corpo gélido. Introduzia o pênis, agora, mais profundamente, na vulva murcha e, nela, gozava. Gozava no rosto, nas nádegas, na barriga, no útero, no bebê que tomava forma na barriga da mulher. No último dia, pensou preservar aquele corpo, conservá-lo. Tê-lo, de alguma forma, consigo como uma boneca inflável. Nessa época, a morta já não tinha ninguém por ela. Depois, quis jogá-lo dentro da cisterna que existia na varanda do fundo da casa. Resistiu. Temeu a possibilidade de o corpo ser, facilmente, encontrado. Imaginou outras coisas repulsivas. Bem que ela merecia. E ficou vagando, por horas, o pensamento.

 

***

Talvez você nem compreenda isso, porém o mal nunca vem sozinho. Ou ache tudo um absurdo. Ache, talvez, que isto seja invenção minha, coisa da minha cabeça. Mas, acredite em mim, é a pura realidade.

 

***

Certa noite, quando o primeiro homem deteve-se no quintal, lembrava-se do corpo inanimado da mulher, nua, sobre a cama, enquanto a lua mostrava-se baça, nua, desmistificada, desprovida de sentimentos humanos. Ali mesmo, sobreveio-lhe, novamente, o mal, aquele desejo degenerado. Teve vontade de comer daquela carne conservada no freezer.

 

                Ele, o primeiro homem, comeu, sobre uma mesa redonda, aquela carne humana, aquele corpo íntimo. Comeu, dia após dia, aquelas carnes decompostas, misturadas ao arroz, e não sentia repugnância, não se sentia culpado. Começou comendo os músculos murchos dos braços. Temperava aqueles pedaços de carne, aquela carne humana, com muita pimenta do reino, cominho e açafrão. Em seguida, cozinhava a carne junto com a mandioca, numa panela de pressão. Depois comia, comia — ensandecido — as outras partes, as outras carnes indescritíveis. Buscava evadir-se dos pensamentos familiares. Nada o repugnava.

Quando comia daquela carne, comia o corpo da mãe. Lembrava-se da sua infância, das imagens, das cenas do quarto. Lembrava-se dela, da mulher, da mãe deitada, nua, sobre a cama. Sentia ódio e desejo. Sentia-se forte. Um filho, um homem, o primeiro homem, agora, no meio de um deserto desumano. Era o corpo, a carne de onde ele saíra. Era a sua carne, era o seu sangue.

 

***

Um dia, antes da tragédia, a mulher estava descontrolada e ameaçava o primeiro homem, seu filho, com o dedo em riste. Ele ameaçava ir à polícia. Dizia que sabia de tudo. Dizia que viu tudo. Acusava a mulher de ter matado o seu pai, quando este dormia, pela manhã, depois do trabalho. A mulher tossia seco. O cigarro já tinha quase comido um dos pulmões. O primeiro homem viu, pela fenda na parede, quando a mulher segurou as pernas do marido, enquanto o segundo homem o sufocava com um travesseiro. Como ele morreu em casa, o legista nem o examinou; e, por isso, descreveu, no óbito, morte natural.

A primeira vez que o primeiro homem viu a sem-vergonhice,  a nudez depravada daqueles dois corpos — quais serpentes — se enrolando um noutro e jorrando, um n’outro, sobre as peles tépidas, os seus próprios venenos esbranquiçados e densos como a nata de leite, ele teve nojo. Enojou-se, num primeiro momento, por tudo que se relacionava a sexo. Certo dia, abriu, com uma faca, o pequeno buraco na tábua da parede e passou a observar aqueles movimentos, aqueles gestos, aqueles gemidos extasiados, aqueles murmúrios de gozo, que se estendiam no silêncio da noite. Em cima do outro homem, do homem calado, a mulher gemia, gritava, sentia prazer, alegria e sensualidade naqueles gritos. A mulher se jogava para trás, num gesto galopante e os cabelos caíam-lhe, esfarelados, nas costas. O corpo do primeiro homem era, ainda, púbere. Seu corpo também reagia; crescia. Um dia, ele aprendeu a estimular o seu pequeno nervo. E, dele, começou a brotar um líquido transparente, enquanto os pensamentos surgiam-lhe vívidos, imagéticos e indecentes. Eles traziam o corpo da sua parturiente.

                Na delegacia, depois de preso, o primeiro homem dizia. Seu doutor, num pude evitar o mal. É Deus que manda o bem e o mal. E ele veio em mim. Tinha um outro eu em mim. Disse ele à autoridade. Eu me tornei mau. Fui eu que matei ela. Eu matei ela. Confessava cabisbaixo, e roendo, freneticamente, as unhas. A barriga dela já tava grande, crescia que nem uma melancia. Ela tinha se embuchado daquele maldito. Matei porque ela me traiu, doutor, porque ela traiu meu pai. […] Não, respondia ao delegado, o homem dela já tinha sumido com o dinheiro que ela tirou da poupança e deu pra ele, respondia ao delegado.

[…]

Foi assim doutor… Uma vez, ela me viu, era de noite. Ela tava no quarto com o homem, me viu olhando pelo buraco. E ela esperou o seu homem sair e me bateu sem dó. Me bateu, na cabeça e no espinhaço, várias vezes, com o calço de madeira que segurava a porta. Eu apaguei. Fiquei todo desconjuntado. N’outra noite, o homem dela não veio e ela entrou de novo no meu quarto. Acho que tava arrependida. Abaixou meu short e beijou meu pau. Depois que ela ficou grávida, o homem dela não voltou mais. Então, ela fez comigo, na cama do meu pai, tudo o que ela fazia com o homem dela. Um dia, o homem dela voltou e ela se esqueceu de mim. Aí, eu matei aquela puta. Eu vinguei meu pai, doutor.

 

***

Era início da noite.

                Antes de  morrer, a mulher disse, com voz entrecortada, ao primeiro homem.

                    — Eu te pari, seu desgraçado!                     Irrompeu aquela voz truncada.                    Não obstante, a mulher levantou as mãos espalmadas e calosas.                    — Te criei com sacrifícios, meu filho!                    Não são tão raros os que conseguem fazer o que este filho fez com a mãe. Mas este fez.                    O filho sentenciou, com um olhar odioso.                    — E eu te mato com minhas mãos!                    E, num êxtase, um desejo incontrolável e doentio emergiu de dentro dele.                    Lembrou-se, sob flashes instantâneos, que aquele ventre era-lhe consagrado.                    E, ainda, com voz sufocada, a mãe completa.                    — Eu tenho uma filha que depende de mim! Você sabe.                    Referia-se à filha que, fazia meses, sumiu sem dar nenhuma explicação.                    — Ela não pensa, não fala, não sente mais nada, mãe! Respondeu o filho.                    Naquela noite, o filho estrangulou, ali mesmo, a própria mãe, apertando-lhe a garganta, comprimindo-a com as mãos contra a parede sem pintura.Ela parecia dizer, na fraqueza das palavras, alguma coisa. Alguma coisa, talvez, sobre a filha desaparecida, mas foi impossível entender as frases truncadas.  Talvez uma luz, lembrança ou intuição surgiram-lhe, mas tudo foi em vão. Às vezes, até tentamos, sem grande êxito, entrar dentro da mente da personagem e extrair seus pensamentos. Outras, não conseguimos quase nada, algumas palavras pardacentas. Antes de morrer, ela murmurou, aflita, o nome da filha como quem via um espectro.De repente, suas forças esvaíram-se, de vez, com a pressão das mãos do filho. E ela desfaleceu. Quando ele retirou as mãos do pescoço da mulher, ela deixou-se cair, desfalecida, no contrapiso da sala, e entregou a alma.

                Depois disso, o primeiro homem caiu em si, por um instante apenas. Era tarde. A sirene da fábrica de farinha, onde sua mãe trabalhava, descascando mandioca, anunciava o fim do dia do primeiro homem. A polícia deu um jeito e o deixou escapar. E ele fugiu, mas permaneceu na redondeza. Numa noite deserta, fora pego, novamente. Colocaram-no dentro de um porta-mala de uma viatura policial. Ele clamou, mentalmente, aos céus para não morrer. Não adiantou. Quando abriram o porta-mala, ele notou que poderia estar em Simões Filho, na Via Periférica I, num galpão abandonado. À sua frente, viu roupas, uma calça e uma camisa murchas cobrindo ossos sem carnes. Quis falar, mas sua boca estava amordaçada por fita adesiva e as mãos amarradas para trás. E ele desejou voltar a ser aquele menino que fugia da escola para ficar com o pai no corredor da Vitória.

Publicações

  • A Porta Remendada (2003);
  • As Últimas Horas (2009);
  • Catecismo da Igreja Ortodoxa Siríaca (2012);
  • As Últimas Palavras (2013);
  • O Ritual dos Chrysântemos (2013);
  • Fé e Razão (2014).
  • Capítulos e artigos em livros nas áreas de Educação e Linguística, além de diversos artigos publicados em revistas científicas no país.

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